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Conheça-te XVI: Descobrindo o Ser-Saber

Por: 10 de abril de 2018 Sem comentários

Por Zulma Reyo. Publicado originalmente em La Mujer Interior

Existem dois tipos de realidade: a verdadeira e a artificial. Normalmente, conhecemos somente a realidade artificial com seu foco na construção, na preservação e na reestruturação. A realidade subjetiva psicológica aparece como uma sombra do mundo construído, repleta de memórias e de todo tipo de desejos, em contraste com a realidade verdadeira do mundo interior da experiência não psicológica. “O que Somos” é um estado intraduzível de ser, vivido e conhecido somente com profunda sensibilidade.

A realidade verdadeira reside em nossa experiência do Eu como um poder sem forma que transmite força e estabilidade internas onde nos sentimos inteiros e seguros. Abre-se um espaço de certeza, imbuído de permanência intangível. É mais forte na infância quando assume o brilho protetor da influencia angélica. Secretamente, permanece durante a adolescência. E, na maturidade, se nós permitirmos, nossa intuição ao sentir esta voz interior nos recorda que é realmente possível. Sua linguagem é o ser-sentir.

É estanho como quando estamos confusos, tristes, irritados ou incomodados de algum modo, criamos e recriamos uma condição em nossa mente e atacamos. Não paramos para sentir. Insistimos obstinadamente em perguntar “o que fazer?”. Encontrar uma solução é a maior prioridade, enquanto sufocamos o Eu interior, a única condição capaz de mudar o contexto alterando nossa perspectiva, em superficialidade.

No início, o contato com as emoções é doloroso porque estancamos nas causas que as produziram. Se nos dermos conta que nós concedemos poder a estas emoções e se compreendermos que ninguém mais além de nós pode mudar uma situação que atraímos, com coragem, em algum momento, tocamos a verdade. As emoções podem ser intoleravelmente intensas, o que comprova o poder que têm. Todos os nossos instintos recusam a profundidade emocional e, por isto, apelamos para a sensibilidade inteligente do coração como ferramenta do saber. “Tocar fundo” quer dizer contatar a esperança ou a resistência subjacente que encobre o estado de Ser Amor.

Poucas pessoas se dispõem a entrar em terreno desconhecido sem um remédio, uma chave ou uma solução em mente. Os estudantes me perguntam o que fazer com as experiências que ocorrem nas meditações alquímicas, procurando remendar suas vidas complicadas. Não existem “soluções” pela simples razão que no nosso interior estes tipos de problemas não têm realidade ou importância. Nosso interior é o espaço onde nos sentimos sentindo. Dele emerge a força e clareza que nos permite encontrar as soluções necessárias.

Como a intangibilidade e a inevitabilidade da própria morte, que é a grande analogia da vida, a sensibilidade do sentimento circula por corredores profundos e escuros para encontrar a pérola luminosa: uma fonte de Luz eterna, que nunca se apaga. Não está fora de nós e não se diferencia de nós. É nosso mais profundo centro interior. Esta Luz não é mítica nem imaginária. É a fonte do poder da nossa vida, a única frequência capaz de afetar a mente, as emoções e o mundo material.

Através da atenção e com nossa força de vida, concedemos poder a tudo o que se relaciona conosco. Dirigimos nossa força vital para pessoas, coisas e condições. Nosso processo de pensamento cria contextos e significados, relacionando coisas no tempo e no espaço. Investimos em pessoas, coisas e condições de qualidade emocional, como ressonância. O mundo material só é real porque nossos sentidos foram condicionados a considerá-lo como tal em relação a coisas, pessoas e eventos, incluindo todas as possibilidades futuras. Nós nos convencemos de que existe a continuidade e a estabilidade no mundo e na vida. Permanecemos ignorantes sobre que é Real.

Quando somos capazes de sentir sentindo, contatamos uma fonte energética que percebe, sente e sabe além do conhecimento. Não é preciso ser reconhecido ou aceito para Ser. Ser é fonte de respostas e soluções. Ensina-nos sem nos ensinar, revelando quais são as prioridades e as possibilidades reais.

O contato com o Ser Interior é direto, mas nem sempre imediato. Deve ser cultivado com muita delicadeza, como se examina as pétalas de uma flor, com reverência e maravilha. Tal como somente o refinamento emocional e a profundidade podem fazer. É preciso todo esforço para gerar este anseio quase esquecido.

O amor é para os mais corajosos porque dói. Sentir amor exige que se lembre do que não é amor. O amor é desnudo, vulnerável e flexível como o salgueiro. É a abertura para a vida e não é determinado por ninguém nem por nada, mas pela nossa exposição direta a ele. Ainda assim, é mais fácil evocar o amor que sentimos por alguém do que lembrar de termos sido amados ou de termos amado a nós mesmos.

O processo tem início na capacidade de sentir-se sem referências externas, simplesmente no silêncio do nosso corpo, acompanhando a respiração e a frequência emocional do momento, sem qualificação, sem pensamentos. É o momento de evocar a memória de amar tanto alguém que o resto não importa e sustentar a qualidade desta força. Pode ser doloroso ou alegre ou ambos. Quando alcançamos este estado, é possível alterar a situação (na verdade, a situação se altera espontaneamente). Diante do poder do amor evocado, nós nos convertemos no objeto. Sentimos um enorme despertar desta força que transborda. Neste momento, descobrimos, de uma maneira muito real, que o amor não permite ser dirigido. Não importa quem ama ou quem é amado, a força permeia a todos e a tudo. Esta percepção é extremamente importante porque dissolve todos os argumentos sobre mérito e condicionalidade.

Resumindo, o processo dos primeiros socorros não necessita de ninguém nem de nada. Basta lembrar um estado de amor, geralmente relacionado a alguém. Quando isto ocorre, o coração se preenche. Ao amar outra pessoa, sentimos como a frequência aumenta dentro de nós. Causa e efeito se combinam em um estado de ser e Eu Sou Isto.

Precisamos reconstruir este processo muitas vezes, indo ao mesmo lugar repetidamente, para que possamos dialogar com esta Fonte e ao mesmo tempo reconhece-la como o Eu, permitindo que os espaços vazios se preencham com a essência das respostas. Gradualmente, chegamos a distinguir sua voz do ruído da mente coletiva, as pressões do mundo externo e do aspecto das memórias e das projeções futuras. Mostra-nos O Que Somos realmente, o que sempre fomos.

Não é fácil identificar a Presença do Eu sem confundi-la com deuses, santos ou mestres criados pelos homens. No entanto, é o descobrimento mais crítico de todos. Liberta-nos de viver à mercê da nossa imaginação e da imaginação dos outros. É simples compreender isto. O difícil é nos convencer a sustentar este estado em momentos de crise. A parte complicada é reconhecer a sensibilidade e viver sem culpar os outros ou a vida.

Tradução: Cláudia Avanzi