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Conheça-te XII: Da Escuridão à Luz

Por: 31 de outubro de 2017 Sem comentários

Por Zulma Reyo. Publicado originalmente em Lamujerinterior

Diz-se que cada ato virtuoso inspira-se em um segredo sombrio. O bem que fazemos arrasta atrás de si uma sombra de motivação obscura. Quando o processo de culpa e vergonha pelo mal que provocamos se desencadeia, somente o bem que fizemos poderá nos resgatar. É neste ponto que os segredos e os motivos ocultos sairão das sombras para serem corrigidos por nós.

As formas-pensamento condicionam a personalidade de maneira indireta, o que sempre traz sofrimento e abuso. Em muitos casos, o vício e a intensidade são tais, que somente levados a extremos poderemos eventualmente obter algum alívio. A terapia e os recursos químicos apenas aliviam a escuridão que nubla com peso e desesperança a mente consciente do indivíduo. Cada passo traz a lembrança de algo que foi perdido e não oferece uma visão de como alcançar algo construtivo. Sem poder se controlar, as pessoas, muitas vezes, recorrem ao isolamento, à indulgência secreta ou ao suicídio como o único ato virtuoso ao seu alcance. Todos nós sabemos como é sentir isto.

Da mesma maneira que podemos ultrapassar o medo e o sentimento paranoico de solidão para alcançar a coragem do coração e compreendermos a rota do engano através de exemplos inspiradores de honestidade e dedicação, poderemos confrontar o impulso grosseiro de perfeccionismo frustrado e raivoso subjacente à liderança. O salto da escuridão para a luz ocorre com a mudança na direção do apego das considerações materialistas para o descobrimento de murmúrios suaves vindos do mais profundo do nosso interior. Somente o exemplo humano pode induzir a este salto quântico que nos leva do ponto mais baixo do espectro das voltagens aos mais elevados das forças neutras.

A IRA E A LIDERANÇA

Todos nós reconhecemos a ira em nós mesmos, ainda que não a expressemos abertamente, variando da irritação leve à fúria em erupção.

A experiência de ofensa pessoal provoca um impulso de sobrevivência que nos assemelha a um animal. Um indivíduo raivoso encontra falhas em todas as partes. Enquanto um animal não pensa completamente em termos de vingança, um ser humano, sim. O enredo furioso que passa pela mente de uma pessoa, agindo sobre ela, dirigido a algo específico ou não, é suficiente para lançar uma pitada de veneno de efeitos negativos. Suas ondas colorem atmosferas, objetos, roupa e comida, incrustando-se aos corpos e auras que vibram vida.

A ira irrompe instantaneamente, infestando o sangue e o sistema nervoso, as vísceras, o rosto, as mãos e a boca. Degrada a harmonia do corpo e sobrecarrega os sentimentos, entorpecendo a capacidade de sentimento-percepção. Isto exacerba o sentimento de culpa latente que deu origem à ira.

A ira é viciante e se estende à prática espiritual. A mente agarra este complexo de intensidades e procura dar-lhe um contexto, justificando e fixando alvos adicionais.

Se não reconhecermos a ira pela forma de instinto primário que é, a mente desenvolverá formas de ressentimento, justificação e autocastigo. O corpo, então, não responderá a sutilezas e dependerá de maneiras mais grosseiras de estímulo e reação. É assim que a pessoa se enreda em mecanismos automáticos, os gatilhos, que não têm piedade nem da vítima, nem do autor.

A recalibragem de qualquer forma- pensamento negativa criada pela personalidade requer um manejo inteligente da força, realizado por meio de aptidões e compreensão treinadas (veja “Conheça-te II”). Isto poderá ser acompanhado por práticas de respiração que mudam o ritmo vibratório do corpo e abrandam o controle exercido pelas justificativas criadas a partir de formas-pensamento negativas.

Da mesma forma que o medo conduz à coragem e o engano conduz à verdade, a ira é a manifestação clara de liderança mal conduzida. Uma pessoa inclinada à ira está acostumada a manejar forças poderosas. Quando se conscientiza dos gatilhos e consegue atingir a rota alternativa que se encontra além da culpa, a pessoa estará adequadamente posicionada em seu caminho para atingir o autodomínio, que exige o manejo de todo o tipo de voltagens.

Reconhecer a ira é um requisito extremamente importante para o serviço compassivo, mesmo que suas consequências sejam menores em nós. Uma pessoa que suprime ou nega a explosão da ira que sente, não pode ser um bom líder. Converte-se em um instrumento de crenças, hábitos e determinações de outras pessoas. Um autômato perfeito do que “deveria” ser. Este indivíduo não terá força de caráter necessária para suportar as influências externas ou para projetar seus valores na vida. Na verdade, tal pessoa não sabe como permanecer íntegra. Ela não aprendeu que “resistência” é o poder que constrói a virtude.

Nossos líderes de hoje são, em parte, pessoas iradas que aprenderam a manejar sua ira (“anger-management”) e a ter paciência e sustentação. Aprenderam a canalizar este impulso para propósitos cívicos e a modelá-lo com compaixão.

É difícil para uma pessoa irada ser compassiva consigo mesma, mas é precisamente esta característica que a conduz ao êxito como líder. Irá se converter em mestre, tão exigente quanto misericordioso. Assim como pessoa irada conhecia a imperfeição, a versão espiritualizada tem uma noção muito clara da perfeição e da ordem.

A ira surge de mecanismos orgânicos primitivos de defesa e ataque. Estes mecanismos geram uma força muito poderosa, a mesma utilizada pela medicina taoista para romper a apatia. Encoraja a todos ao redor, transmitindo força de comando para alterar uma situação ou um ambiente para o bem, injetando o fogo da vitalidade.

A INVEJA E A EQUANIMIDADE

A inveja é muito mais comum do que poderíamos supor e, com frequência, surge disfarçada por um pensamento-desejo inofensivo. Uma pessoa invejosa não tem, necessariamente, a intenção de privar a outra de algo que lhe pertence por direito. Mas, de alguma forma, contamina esta outra pessoa com seus pensamentos e sentimentos de desejo de roubar ou possuir. As pessoas sensíveis percebem isto. Seu efeito invisível em crianças é corrosivo.

A pessoa invejosa sempre vê a grama mais verde no jardim do vizinho. Cobiçar o que o outro tem significa a não aceitação do que se tem. O desejo aparentemente inofensivo gera queixas doentias e rejeição à beleza e à perfeição da vida em comum, como o direito à privacidade e à propriedade. A inveja injeta uma não valorização das diferenças justas e equitativas. Quando cobiçamos o pão de cada dia de outra pessoa, contaminamos a massa de todos.

Podemos argumentar que não é tão mal assim, mas a inveja cultiva uma intensidade emocional de autotortura como uma forma de prazer distorcido, intoxicando o corpo progressivamente, acumulando-se nos intestinos, ao redor dos olhos e no coração. Com frequência, a hipersensibilidade gera dor muscular. A falta de gratidão e respeito, somada à tortuosidade e à má vontade, tornam o ambiente insustentável para qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade.

Uma pessoa invejosa tem experiência em comparar e avaliar condições. A mesma forma de pensar que alimentou a inveja será o recurso para afastá-la: a habilidade de projetar pensamentos a distância, inclusive visualizar um objeto claramente, quando necessário, para abençoar e curar. Quando evoluído, tal indivíduo exibe boa memória para eventos do passado e para detalhes, preservando e imprimindo por meio da palavra e da ação. Tendo aprendido a manejar sua própria montanha russa emocional, a versão espiritualizada o levará a desenvolver uma equanimidade quase sobre-humana.

 

O ORGULHO E A HUMILDADE

De todas as tendências negativas, esta é a mais difícil de detectar, particularmente porque nos inculcam a ficarmos orgulhosos de nós mesmos, da nossa religião e do nosso país. Quando as crianças crescem em tal ambiente, muitas se convertem em fanáticos, exemplos egoístas de autopiedade igualmente destrutiva no oriente, no ocidente, na África e no oriente médio.

Podemos dizer que o orgulho surge da insegurança, mas nem sempre é assim. Existe certa malícia e superioridade ao seu redor, o que, na bíblia, o qualifica como o pior dos pecados.

O filtro perceptivo do orgulho é sua necessidade de autogratificação, inflando sua imagem para atrair tudo para si mesmo. Ofende-se e interpreta as coisas pessoalmente com facilidade. O que a cobiça faz com objetos, a pessoa orgulhosa faz com tudo o que possa refletir sua autoimagem. Aprende a manipular descaradamente, encobrindo e eventualmente danificando sua percepção dos fatos e a habilidade da sua inteligência racional.

Uma pessoa com tendência ao orgulho não confia em ninguém, nem em Deus. Declarações de poder imaginário e de inteligência superior nos lembram do processo mental dos anjos caídos quando se separaram da irmandade divina. O orgulho exige reconhecimento e endurece o coração.

Do mesmo modo, uma pessoa orgulhosa que abraça a Consciência, torna-se generosa. Sabe como manejar grandes quantidades de energias qualificadoras. Desenvolveu a habilidade de expandir-se em um ambiente e agora o usa para dar de si mesma. Conhece pessoalmente como funcionam os bajuladores e, assim, se torna receptiva para reconhecer as necessidades genuínas nos outros. Com o espírito de generosidade, quem foi orgulhoso sabe como mobilizar-se a si mesmo e como inspirar os outros, distinguindo claramente os subtons emocionais que o outro pode não se dar conta.

GANÂNCIA E FÉ

Quando abraçamos mais do que o necessário, rompemos a harmonia sutil ou o equilíbrio da natureza que distribui livremente. O que acumulamos não regressa ao fluxo natural, privando outras pessoas da parte que lhes cabe. As forças elementais da ganância podem distorcer a percepção a tal ponto que o sujeito somente vê suas necessidades. Suspeita de qualquer um que se aproxime. O mundo da ganância é literalmente um inferno onde parece que todos querem tirar vantagem.

O princípio universal nos pede para compartilhar o que temos com os outros. O ganancioso rejeita o criador por suas criações. A ideia de possuir é obsessiva e o separa mais e mais da realidade. O processo mental causa uma contração no corpo e nas emoções, privando o corpo da vitalidade e dos fluídos psíquicos naturais.

A ganância implica na habilidade de atrair e apreciar criações. A pessoa que toma consciência da sua distorção, volta totalmente sua atenção para manter altos níveis de conscientização e de harmonia. Sabe como sustentar frequências, qualidades e características que compõem amizades verdadeiras e leais.

Tais pessoas se tornam bons administradores, pois viveram pessoalmente a lei da oferta e da demanda. Sabem o valor de compartilhar, calcular e medir corretamente tudo que se relaciona tanto com as qualidades materiais, quanto com as qualidades divinas.

 

O capítulo final (quarta parte) desta série sobre o manejo de energias elementais pela personalidade será o próximo artigo – “Conheça-te XIII”.

Tradução: Claudia Avanzi